É verdade que desde 2001, com a estreia de "Os Miseráveis" no Teatro Abril, os produtores anunciaram uma nova era para o gênero no país. O espetáculo grandioso, o elenco de ponta e os investimentos milionários foram decisivos para os casos de sucesso de bilheteria e crítica. É verdade também que de lá pra cá muita coisa aconteceu. Foram dezenas, centenas de musicais estreando, principalmente, no eixo Rio-São Paulo. Time For Fun se consolidou como produtora especializada em musicais outdoors, de alta rentabilidade e com conteúdo voltado para família; Charles Moeller & Claudio Botelho continuaram a surpreender com produções inovadoras, algumas autorais como é o caso do excelente "7-O Musical"; José Possi Neto, Jorge Takla, Miguel Falabella e Tadeu Aguiar nos presentearam com versões incríveis que, se individualizadas, dariam um texto cada uma. Cleto Baccic em parceria com o Sesi SP fez o que ninguém achava ser possível fazer: peças de excelente qualidade técnica e narrativa, aliadas a um projeto educacional em teatro musical de padrões internacionalmente reconhecidos e tudo isso de forma gratuita. Arriscaria dizer que essa última talvez tenha sido a maior realização de uma década gloriosa para produtores, atores, músicos, espectadores, enfim, para todos aqueles que de alguma forma se beneficiaram da ascensão meteórica do gênero.
No meio de toda essa história, chegaram com força os chamados "musicais biográficos". João Fonseca foi, claramente, o nome de maior destaque nesse período, responsável por duas produções de grande sucesso, tais como as que traziam as trajetórias de Tim Maia, protagonizado pelo incrível Tiago Abravanel e Cazuza, interpretado por Emílio Dantas. Na mesma onda vimos Laila Garin ser premiada por sua atuação arrebatadora de Elis Regina. Esses são, sem dúvida, bons exemplos de produções do tipo. Imersas na lógica do entretenimento não seria, obviamente, de se duvidar que essas mesmas produções serviriam de modelos para outras que, muitas vezes, não estão muito preocupadas e compromissadas com o gênero em si, mas muito mais com a bilheteria. É essa a parte que me preocupa.
Este texto foge de uma observação distante, ou alguma tentativa padronizada de análise crítica como os que já fiz por aqui. É um relato de fã, de uma paixão que se desenvolveu ao longo de anos e que, como alguns dos que estão lendo provavelmente saibam, é um tanto viciante. Para todo apaixonado, a decepção é dolorosa, às vezes sofre-se calado, mas escrevo na esperança de que existam outras pessoas que pensem como eu. Então vamos ao ponto central.
Entendo com clareza a contribuição que os musicais biográficos trazem ao cenário cultural brasileiro, são mais pessoas na plateia, mais atores empregados, mais músicos com possibilidade de exercer, de fato, suas profissões, mais, mais, mais. Notemos que em nenhum momento mencionei "melhor". Teatro Musical não pode, porém, ser enxergado como uma simples oportunidade de patrocínios milionários, de alta rentabilidade de bilheteria, pior do que isso, não pode ser enxergado de forma tão imediatista. De nada adianta mais pessoas nas plateias, mais atores e músicos empregados, se essa pode ser tornar uma estratégia não sustentável. Temo por um processo canibalístico, onde a sede pelo lucro e pelo oportunismo se traduza na desvalorização do gênero, na redução de sua importância como atividade artística, contestadora de padrões, permeada pelo uso de novas estéticas e de novas linguagens teatrais.
Para críticos ortodoxos do teatro brasileiro, os musicais geralmente são reduzidos a puro entretenimento norte-americano capitalista, à ausência de narrativa e aos enredos de contribuição social ínfima. É fácil lembrá-los, porém, que há inúmeros espetáculos que fogem desses esteriótipos. Quase Normal, O Despertar da Primavera, Jesus Cristo Superstar, Homem de La Mancha, são bons exemplos contrários a esse julgamento. Entretanto, me vejo obrigado a concordar com tais críticos quando me deparo com espetáculos que mais parecem shows com uma pitada de história para justificar sua existência enquanto dramaturgia do que o entendimento e exercício da linguagem do teatro musical, que é rica e extremamente complexa. Me entristece quando estou nessa situação, me entristece saber que quem lutou tanto pelo reconhecimento do gênero no Brasil agora também é obrigado a concordar com isso.
Não citarei nomes específicos, diretores, peças ou qualquer coisa do tipo. Caberá a cada um de nós identificar quando isso se aplica ou não. Deixo aqui um relato, talvez irrelevante aos olhos de quem produz, de quem está a frente desses "novos negócios". Teatro Musical é sim entretenimento, , é claramente um mercado com todas as suas potencialidades de exploração, mas antes de tudo é arte e como todas elas exige responsabilidade, carinho e comprometimento. O meu pedido é pela não banalização, pela busca da essência, pela música com função cênica, por um show sim, mas por um show com significados e que encante e transforme aquele que se senta numa plateia em assentos que, raras exceções, custam mais do que em qualquer outra vertente do teatro. É um pedido por mais 10, 20, 30, 40 anos e não por mais hiatos pós-saturação como os que antecederam os anos 2000.
É um pedido por mais oportunidades e por menos oportunismos!
É um pedido por mais oportunidades e por menos oportunismos!